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Artigos

  • Abelardo e Heloísa

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 12/04/2006

    Naquela manhã de outono concebo mortos, fantasmas. Dou-lhes formas, vejo-os em cada canto. Eles insistem em me perseguir enquanto desço a Rue de La Montagne Sainte-Geneviève. Esses espíritos, ansiosos por identificar-se, atropelam contudo as palavras. Descubro que são discípulos de Abelardo, na expectativa de que o monge retorne ao bairro latino. Como por milagre, Abelardo surge, incerto quanto à modernidade daquela mulher brasileira, à frente de sua tribo. Ele me fala como se cruzasse o pátio da Sorbonne, e fosse eu sua alma. Ensina-me, assim, a esgrimir princípios metafísicos, sempre úteis em uma época incrédula. Indica-me que ruelas visitar, se de verdade quero reconstituir os restos arquitetônicos da Paris que ele conhecera, antes de sua morte.

  • A força de um poeta

    Tribuna da Impressa (Rio de Janeiro), em 11/04/2006

    Encontra-se Ascendino Leite numa posição de bom isolamento poético na atual literatura brasileira. Na realidade, promove ele, em seus versos, todo um curso de poesia. Ao juntar palavras num determinado ritmo, ergue um mundo em que se condensa o muito que a vida nos oferece como impulso, como percepção, como entendimento, acima de tudo como paixão. E é principalmente pela paixão que se distingue sua poesia, paixão que atravessa toda a sua obra e marca sua presença em nossa literatura.

  • Antes que seja tarde

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 11/04/2006

    Estão esperando o quê? Um desastre com um avião da Varig, com uma centena de mortos? É do conhecimento de todos, do governo principalmente, e do público em geral, as dificuldades que a companhia atravessa, não apenas em seu escalão estrutural mas operacional, com aviões encostados e manutenção problemática.

  • Vivendo nas alturas

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 10/04/2006

    Passar dias em cima de uma árvore. Comer, dormir, realizar todas as atividades, e necessidades, da vida cotidiana, sem colocar os pés no chão.

  • Traído ou traidor?

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 10/04/2006

    Nas águas da mais recente e desvairada ficção pretensamente histórica, a moda é contar a vida de Cristo de forma diferente, atribuindo-lhe um casamento que, a ter sido real, em nada altera sua mensagem e presença na civilização ocidental. Agora, decifrado um manuscrito que teria sido um evangelho segundo Judas, retorna como novidade a versão de que Judas não traiu seu amigo, pelo contrário, teria sido seu parceiro na história (ou na lenda) da Redenção da culpa de Adão.

  • Se tivesse estudado...

    Jornal O Globo (Rio de Janeiro), em 09/04/2006

    Para quem precisa de assunto toda semana, é de esperar-se que excesso de assuntos seja uma bênção. Mas cada dia mais chego à conclusão de que não é, é pior do que não ter assunto. Quando não se tem assunto, sempre se pode fantasiar, por exemplo, sobre Herculano, o gavião que se exibia muito aqui pelo terraço e nunca mais apareceu. Quando se tem assunto demais, a indecisão acomete, todos acabam se intrometendo no texto e fica difícil pôr ordem na miscelânea que insiste em sair.

  • Males e malefícios da democracia

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 07/04/2006

    Alguns leitores, e até mesmo um senhor que me abordou na rua, estranham que eu venha declarando, com insistência, que não acredito e até me recuso a participar da chamada "democracia representativa", tida como o pior dos regimes, com a exceção dos outros. Na velha mania de ignorar o óbvio (a afirmação de uma coisa não implica a negação de outra ou vice-versa), perguntam se eu me converti ao totalitarismo, aos regimes fortes em que o povo não é ouvido nem cheirado.

  • Entre escolhas e brigas

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 07/04/2006

    Uma das tarefas mais difíceis de um presidente é a luta diária para manter a coesão do governo. É de hoje e é de sempre. Briga de ministros é diária, com direito a notas para colunistas, onde a guerra se torna oculta e mais clara.

  • A solidão de Lula

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 06/04/2006

    Os analistas políticos de diversos calibres chegaram a um consenso: Lula está só. Em três anos, perdeu e se afastou de seus amigos e companheiros históricos. Está agora cercado de gente que mal conhece, como mais da metade de seus atuais auxiliares de primeiro escalão.

  • A colméia e a abelha

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 05/04/2006

    Uma das palavras mais banalizadas de nosso tempo, além de "ética" e "resgate", é "estadista". O sujeito é chefe de divisão dos dormentes de uma ferrovia no Alto Purus, no dia de seu natalício há sempre um subordinado que o classifica de estadista. Na classe política, a briga para saber quem é ou não é estadista tornou-se briga de cachorro grande. Todos são estadistas, pelo menos em duas ocasiões: quando estão no poder e quando morrem.

  • Nus ao telefone

    Folha de S. Paulo (São Paulo), em 03/04/2006

    *Um terço dos usuários de telefonia na Grã-Bretanha faz chamadas completamente nus, sendo os homens mais propensos a essa prática do que as mulheres, revelou um estudo divulgado pela agência de notícias Reuters. A pesquisa, de responsabilidade dos Correios da Grã-Bretanha, revelou que cerca de 40% dos homens admitiram conversar sem roupas, contra 27% das mulheres.

  • Sobre a imortalidade

    Revista o Globo (Rio de Janeiro), em 02/04/2006

    COMO O SER HUMANO RESPONDE ÀS mudanças? Mal. Sempre muito mal. Um dos mitos mais difundidos no mundo inteiro - o mito do vampiro - reflete essa idéia.

  • Me visitem na cadeia

    Jornal o Globo (Rio de Janeiro), em 02/04/2006

    Passei uns dias fora, sem ler jornais ou ver televisão. Deve ter sido esse afastamento fugaz das notícias a razão por que, ao voltar ao convívio delas, tomei um susto. Bastaram esses dias para minha perspectiva se apurar, por assim dizer, e eu sentir em cheio a assombrosa desvergonha a que chegaram o Brasil e suas instituições. Com perdão da má pergunta, que país é este, meu Deus do céu? Resolvi tomar a liberdade de dizer o que me parece no momento, sem eufemismos ou ressalvazinhas bestas, embora, é claro, me arrisque bastante. Posso ter meu sigilo bancário aberto - o que certamente provocaria frouxos de riso nos bisbilhoteiros -, assim como qualquer outro sigilo, pois o governo demonstrou que não merece confiança e é destituído de escrúpulos. Portanto, nenhum dos nossos dados a que é garantida confidencialidade está seguro. Ou de repente escarafuncham meu passado e descobrem um contemporâneo capaz de jurar que eu colei numa prova de latim do ginásio e portanto passei fraudulentamente, o que será considerado crime hediondo por algum tribunal desses do Executivo, que por aí abundam. Finalmente, como não empregarei eufemismos, não é impossível que me acusem de calúnia, difamação ou injúria e eu venha a ser condenado pelo que se considerará um ou mais desses crimes, apesar de que, no meu parecer, se trataria de delito de opinião, figura que não existe, mas que pode perfeitamente ser posta em prática, sob nomes artísticos que lhe emprestem a aparência de legitimidade.

  • A vez e a voz do eleitor

    Jornal O Globo (Rio de Janeiro), em 30/03/2006

    A densidade da crise neste início de ano tem já um resultado definitivo. Os lamentos do nepotismo do Judiciário em face da decisão do Supremo levaram até à greve grotesca da magistratura de Minas Gerais, ao insistir no mais crasso dos abusos do velho sistema: a privatização imemorial das vantagens do exercício do poder. Ficará na crônica do nosso aperfeiçoamento democrático o aferro à provisão dos cargos públicos, pelo exercício mais desinibido do casuísmo, em bem de emprego familiar, frente à norma do novo Conselho Nacional de Justiça.

  • O Golpe de 64

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 29/03/2006

    Lembro-me bem do golpe de 1964, que depois de amanhã completa 42 anos. Eu era aluno da Faculdade de Ciências Econômicas da antiga Universidade de Minas Gerais e militava na Ação Popular, grupo de esquerda católica. Era grande a politização do mundo estudantil, em consonância com o que se passava na política nacional. Muitos de nós acreditávamos ingenuamente que o País caminhava para o socialismo e queríamos ser parte da jornada. O presidente João Goulart era visto com suspeita, mas julgávamos que o movimento popular, os operários, os estudantes e os camponeses fariam a mudança com ou sem o presidente.