Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos

Artigos

  • O dilema

    A galinha observava o faisão à distância sempre que podia. O pobre animal passava dias seguidos com fome, tinha muita dificuldade de encontrar água e nem sempre achava um lugar confortável onde pudesse dormir. Certa tarde, a galinha aproveitou uma oportunidade e resolveu conversar com ele. “Veja como estou bem”, disse ela para o faisão. “Tenho um dono que me cuida, um lugar para beber água quando quero e sempre me colocam milho suficiente para comer com fartura. Por que você não experimenta levar o meu tipo de vida?”

  • Consolidação legislativa

    "O Parlamento não é fábrica que deva recomendar-se pelo número de projetos que elabore ou pela rapidez com que os produza... Às vezes, a maior virtude de um Parlamento está precisamente no número de projetos que elimina ou depura, que corrige ou substitua, depois de estudo quanto possível minucioso dos assuntos". A observação é de Prudente de Morais Neto, jornalista descendente do ex-presidente, que escrevia sob o pseudônimo de Pedro Dantas e está registrada no livro Quase política, de Gilberto Freyre.

  • A privatização da Vale

    Em boa hora a Vale do Rio Doce foi privatizada, tornando-se uma grande organização econômica e assim colocando o Brasil num posto avançado entre os países economicamente democráticos, impondo-se perante os seus concorrentes estrangeiros como um gigante da mineração. Agora, a Vale do Rio Doce comparece sozinha na venda da Ferrovia Norte-Sul, que será explorada por essa grande empresa a partir da sua posse na gestão empresarial.

  • Confiteor

    Sou do tempo - ai de mim - em que a missa era em latim e nós, meninos, dizíamos ''''confiteor'''', antes de tremulamente confessarmos ao flamívomo (dicionário, dicionário; quem leu Euclides da Cunha deve saber) padre Brito, o qual nos lembrava sem cessar como eram espaçosas as portas do inferno e ardilosas as mil trapaças enredadas pelo Inimigo, que havíamos espiado a vizinha tomando banho. Então achei por bem confessar-lhes alguns pecados meus, involuntários embora, bem-intencionados certamente, mas isso - ai de mim outra vez, porque se esperam grandes lamentações da parte dos penitentes - não impede assistir razão ao bom São Bernardo, que, segundo me ensinaram, foi quem pela primeira vez observou que o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções.

  • O sábio ermitão

    O abade Abraão soube que perto do mosteiro de Sceta havia um ermitão com fama de sábio. Foi procurá-lo e logo perguntou: “Se hoje você encontrasse uma bela mulher em sua cama, conseguiria pensar que não era uma mulher?”. “Não”, disse o eremita, continuando a frase: “mas sei que conseguiria me controlar”. O abade insistiu com os questionamentos: “Então vamos imaginar uma outra situação inusitada. E se você fosse procurado por dois irmãos, um que o odeia, e outro que o ama, conseguiria achar que os dois são iguais?”. E o ermitão respondeu sem sequer pestanejar: “Tenho a certeza de que, mesmo sofrendo por dentro, eu trataria o que me ama da mesma maneira que o que me odeia”. “Vou lhes explicar em pouquíssimas palavras o que é um sábio”, disse o abade aos seus noviços, quando voltou. E completou: “É aquele que, ao invés de matar suas paixões, consegue controlá-las”.

  • Lendas do deserto

    Conheci Yasser Hareb durante um encontro em Paris. Discutimos muito sobre a última ponte intacta em um mundo cada vez mais dividido: a cultura. Apesar de tudo que estamos vendo, ainda existem valores comuns, e isso pode nos ajudar a compreender nosso próximo. Pedi a Yasser que escrevesse algumas histórias de sua região, que transcrevo (resumidos) a seguir. Por que está chorando?

  • Opinião sobre as vacas

    RIO DE JANEIRO - O Rio amanheceu cantando... Não, não era isso que queria escrever, e sim: "O Rio amanheceu cheio de vacas". Não entendi bem o que tantas vacas faziam na paisagem da cidade, tradicionalmente sem elas, desde que uma lei municipal proibiu estábulos nos limites urbanos da então capital da República.

  • O recado e a tentação do Equador

    A vitória de Rafael Correa nas eleições para a Assembléia Constituinte do Equador vai ao fundo desta nova virada de página da América andina começada pela Venezuela, no confronto entre o centro e a periferia num mundo hegemônico. O regime democrático transformou-se na plataforma para a largada dessa legitimidade política nesta ruptura com o status quo, e a densidade do voto opção que hoje associa Caracas, La Paz e Quito.

  • Tempo dos infiéis

    RIO DE JANEIRO - O editor Ênio Silveira estava engraxando os sapatos numa dessas cadeiras altas que mal comparando parecem o trono de um soba nos confins da África. Ele gostava de conversar com gente do povo e perguntou se o engraxate temia o comunismo, fantasma que o governo de então considerava na iminência de tomar conta do Brasil.

  • Do poema como cântico

    Apesar de uma corrente poética haver defendido a presença de uma história, de um enredo mesmo, no poema, a preeminência da canção jamais deixou de predominar na poesia de qualquer tempo. A frase de Paul Éluard - "A poesia é a linguagem que canta" - serviu, no século XX, de lema para poetas de várias tendências, embora Ezra Pound haja condenado o cântico exageradamente usado na poesia, tendo mesmo achado muito "declamatório" o verso de Spenser "Sweet Thames, run softly till I end my song" - "Doce Tâmisa, flui manso até o fim de minha canção" - que é um trecho muito citado do poeta inglês.