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Artigos

  • A geografia poética de Cecília Meireles

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 17/11/2004

    Há 40 anos morria Cecília Meireles. Num famoso verso definiu-se como ''pastora de nuvens'', temperamento propício ao fluido e ao etéreo, viajante perdida do porto de si própria. Daí, portanto, as sucessivas viagens que empreendeu - na tentativa de encontrar no outro, na aventura, a promessa de uma unidade impossível de localizar em si mesma. Dentre os tantos ''outros'' que acolheu em seus versos, destaca-se a cultura do Oriente (em particular, a indiana), que a fez criar um de seus mais belos - e menos conhecidos - livros: os Poemas escritos na Índia. Embora publicados apenas na década de 1960, trazem no subtítulo a menção ao ano de sua escrita: 1953. No ano passado, graças ao notável esforço e competência do ensaísta e tradutor Dilip Loundo, os poemas indianos de Cecília foram impressos em Nova Delhi, em antologia bilíngüe. Informou-me Loundo tratar-se da primeira coletânea de poeta brasileiro editada naquele país.

  • Chuva no molhado

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 17/11/2004

    Pode parecer simpática a idéia do governo de criar locais especiais e seguros para os dependentes de droga, evitando o risco de seringas contaminadas e outros perigos que cercam a "dependência" - inclusive prestando uma assistência médica adequada.

  • Polarização e anticlímax

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 17/11/2004

    As eleições municipais após o segundo turno viram-se devoradas por uma transleitura. Muito mais do que a contabilidade emergente do poder local, o que contou foi um primeiro posicionamento do eleitorado, saído da aura única da vitória petista em 2002. Misturam-se um sentimento inconsciente de revanchismo, ao lado de uma visão crítica do começo de performance do governo, procurando um pré-alinhamento para a nova disputa presidencial. Em boa parte, nos sentimentos que tomaram conta da opinião pública dominou de novo o Brasil de salão, seus vaticínios e seu cinismo das pseudo-sabedorias, de que não há nada a esperar de diferente, no governo da promessa de todos os abre-alas da transformação. É um mal-estar de anticlímax, que avulta sobre a incerteza das novas rinhas no Planalto, com o desponte de atores emergentes, acreditando na descida da ladeira do governo. Teria estourado a bolha da magia do PT, no entendimento dos adversários, atingindo o capital único da popularidade do presidente, à margem de qualquer juízo sobre a sua administração.

  • Nelson e a tragédia

    Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), em 16/11/2004

    A façanha editorial do momento é o lançamento da obra teatral completa de Nelson Rodrigues feita pela Editora Nova Fronteira. Com os textos do trágico brasileiro em mãos, pode-se tentar uma análise do muito que significou e significa para a nossa cultura a presença entre nós de um autor com essa estranha e dilacerante força criadora. Desde que "Vestido de Noiva" subiu à cena em 28 de dezembro de 1943, no Teatro Municipal, tivemos todos a certeza de que o Brasil produzira, afinal, um gênio da literatura teatral.

  • O Ministro da Defesa

    Diário do Comércio (São Paulo), em 16/11/2004

    O presidente FHC não levou em consideração a tradição dos três ministérios (no Império e na primeira República dois), ao criar o Ministério da Defesa, unificando as pastas sob a presidência de um ministro da defesa, com o necessário conhecimento de causa dos usos e costumes, da disciplina e do esprit de corps das três armas. Nos artigos que escrevi acentuei o aspecto tradicional dos três ministérios, desde a fase imperial da nossa História, até a criação do Ministério da Aeronáutica, quando se fez imperioso dotar o país de uma arma aérea.

  • Queimando etapas

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 15/11/2004

    Preciso ir a Copacabana, tomo a direção do túnel velho. Passo pela Real Grandeza, olho as capelas do cemitério São João Batista. Enfadados, alguns homens espiam a rua, dando as costas para seus respectivos defuntos.

  • Degradação da língua portuguesa

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 15/11/2004

    Há sinais de degradação da língua portuguesa, hoje confusa e com limites imprecisos entre a norma culta e a linguagem popular, o que a torna mais difícil de apreensão. Ser moderno não é só se vestir como recomendam os filmes, revistas e programas de televisão, mas também falar algo que se parece com o inglês, hoje primeira língua de 500 milhões de pessoas. Não custa insistir na barbaridade que é o batismo profano de pontos comerciais na Barra da Tijuca, com nomes que nada têm a ver com a nossa cultura.

  • Vamos comemorar!

    O Globo (Rio de Janeiro), em 14/11/2004

    Não é para ficar reclamando outra vez, não, mas a verdade é que, de modo geral, não tenho sentido em torno uma grande disposição para comemorações. Há a notável e exuberante exceção do presidente, que quase sempre se mostra risonho, bem-disposto, com ar festeiro, de bem com o mundo e confiante no futuro. Razões pessoais bem sabemos que ele tem para isso, já que agiríamos do mesmo jeito, se estivéssemos todos com a vida tão garantidinha quanto a dele, além disso ornada por vantagens legal e naturalmente decorrentes da posição a que galgou, sem que sobejos méritos lhe possam ser negados. E tem razões de ordem cívica também porque, embora eu raramente saia, não me inclua no fechado time dos “bem-informados” e seja visto com paciente condescendência por meus colegas que sabem das coisas, já me garantiram que, na sua (dele) opinião, ele está fazendo um excelente governo, tão excelente que há pouco o levou, num justo arroubo de entusiasmo, a proclamar algo que não escutávamos desde os bons tempos: “Ninguém segura este país!” Carecem de fundamento, contudo, os rumores de que o “Ame-o ou deixe-o” vai voltar - até porque dizem que quem pôde já deixou.

  • Castañeda e a linhagem sagrada

    O Globo (Rio de Janeiro), em 14/11/2004

    CARLOS CASTAÑEDA FOI UM FILÓSOFO que teve grande importância para minha geração - e uma vez por ano faço questão de relembrá-lo nesta coluna. Por razões que não me compete julgar, terminou os seus dias fazendo algumas coisas que sempre condenou; mas todos nós temos nossas contradições, e o que fica na história de qualquer homem é o que ele procurou fazer de melhor. No caso de Castañeda, seus textos, alguns dos quais transcrevo (editados) abaixo, deixaram um legado que não pode ser esquecido:

  • Os Estados Unidos Bushianos

    O Globo (Rio de Janeiro), em 13/11/2004

    Oprimeiro disparo verbal de Bush triunfante não deixa dúvidas sobre a voracidade do propósito desses quatro anos, sem concessão, sobre o projeto do sacro império, referendado maciçamente nas urnas da América profunda. Sabe-se ungido para o que vem à frente, sem perder tempo inclusive nas mesuras com o perdedor. O “conservadorismo compassivo” passa à modelização do mundo, segundo os novos artigos de fé da democracia justaposta à cruzada antiterrorista. Entramos num “crê ou morre” do seu modelo de poder - enquanto não descansará, segundo o corão do Salão Oval, em transformar os Estados autoritários à sua imagem. Coube a Kerry, no canto do cisne, lembrar a senda aberta à reconciliação americana e que agora buscará em vão cicatrizar o racha. Desconhece Bush o desagrado da outra América.

  • O herói e o vilão

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 13/11/2004

    Arafat foi um dos heróis do nosso tempo. A afirmação é polêmica, como quase tudo na vida. Foi um terrorista, entrou no plenário da ONU com dois revólveres na cintura, um vilão de faroeste. O regimento daquele organismo internacional proíbe armas no recinto destinado a promover e a garantir a paz no mundo.

  • Sua Excelência, o livro

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 12/11/2004

    Quando se fala nos avanços tecnológicos que vislumbram a morte do livro pelo livro eletrônico e outras mágicas, eu respondo que o livro nunca acabará, porque ele é a maior das descobertas tecnológicas: cai e não quebra, não precisa de energia e, portanto, de ligar ou desligar. Pode ser levado para qualquer lugar, banheiro ou cama, com o que certamente os monitores de televisão não concorrem. O livro tem todos os programas de computadores e mais a diversidade de todos os assuntos guardados pela eternidade da escrita. E, se, por uma desgraça, essa história de mercado um dia tornar o livro dispensável, ainda restará o livro de poesia, pois a poesia não precisa de mercado e salvará o livro.

  • Uma primeira auto-estima brasileira

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 12/11/2004

    Vencido o primeiro tempo do mandato petista desenham-se propostas de mobilização e propaganda, no melhor intuito do combate a uma aludida baixo-estima do brasileiro quanto a seu desempenho histórico. A campanha talvez seja apenas compensatória, ao que se entenderia como um desgaste inevitável do governo - independentemente da popularidade do presidente. Mas talvez acolha premissas quanto à visão do país sobre si mesmo, que foram superadas pelo próprio advento de Lula e da mudança profunda que acarretou à percepção sobre nós mesmos, vencendo estereótipos de um Brasil recém-aposentado.

  • O chá das peruas

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 11/11/2004

    Primeira impressão: a de entrar num galinheiro de luxo, ou melhor, num perueiro. As mesas estavam ocupadas por assanhada fauna de peruas, senhoras entre 45 e 65 anos, maquiadas para a ocasião, vestidas e calçadas para a ocasião. Ao contrário do ladrão, que é feito pela ocasião, a perua é que faz a ocasião.

  • A questão Marta

    Diário do Comércio (São Paulo), em 11/11/2004

    Tocou no assunto que vou deixar escrito neste artigo o meu colega José Nêumane. Vou ser, no entanto, diferente dele, nos comentários sobre a derrota de Marta Suplicy. Se Marta fosse socióloga, se tivesse conhecimento sobre a formação da sociedade, saberia o motivo porque perdeu a eleição, embora tenha tido um elevado número de votos. Não há dúvida que o eleitorado, principalmente do PT, a sufragou, sem dar o suficiente volume para a sua vitória.