Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Noticias > Os bastidores da caixa literária

Os bastidores da caixa literária

 

Há pouco mais de dois meses, o artista plástico Rafael Bandeira recebeu uma “encomenda” muito especial: construir uma caixa de madeira, para abrigar alguns tesouros da literatura lusófona, que falasse sobre a literatura portuguesa, com influência carioca. A Caixa seria transportada do Rio para Lisboa, onde seriam colocados exemplares de obras literárias de autores portugueses e de países da CPLP.

A principal referência de Rafael na concepção da caixa foi o mar, que serviu de inspiração nas obras literárias portuguesas. Também faz alusão aos azulejos portugueses e como eles influenciaram a arquitetura brasileira, inspiração para artistas como Niemeyer.

“O desenho geométrico da caixa remete ao neoconcretismo, que foi uma vertente de movimento de arte do Rio do final da década de 50/ início de 60. As cores da caixa remetem ao mar e fazem referência aos grandes painéis.” Em três semanas, ela estava pronta, e o tempo foi o maior desafio para o artista.

Ele diz que ficou muito satisfeito com o resultado, com o design, e com a escolha da madeira, propositalmente brasileira, que faz parte do conceito. E se sente muito honrado em fazer parte de um projeto desse porte pelo que ele representa.

“A caixa simboliza a literatura portuguesa e seus ecos pelo mundo. Os azulejos de Portugal não são apenas elementos decorativos, mas sim testemunhas silenciosas da história e da cultura do país. Cada uma destas peças de cerâmica conta uma história única e revela aspectos da sociedade e das tradições do país. Essa forma de arte é uma manifestação tangível da identidade portuguesa, capturando a essência da nação em cores e detalhes”, detalhou o pesquisador e produtor cultural Pedro Rajão, responsável pela concepção e produção do projeto.

Ele explica que a azulejaria portuguesa, enquanto arte visual, funciona como narrativa de eventos e locais históricos do país. A referência estética remete a um mosaico formado por fragmentos de poesias de Camões, Saramago e Pessoa que têm como temática o mar e suas diferentes sensações: o mar como lugar de busca, de horror, de medo, de despedida, de desbravamento, de sonho, de morte e de vida.

O “debut” da caixa foi no evento “Rio das Palavras” na Academia das Ciências de Lisboa, onde foi dado o pontapé da cidade do Rio como Capital Mundial do Livro em 2025, título concedido pela UNESCO pela primeira vez em 25 anos a uma cidade de língua portuguesa.

De volta ao Brasil, apareceu pela primeira vez em terras cariocas no Real Gabinete Português de Leitura, dia 11 de abril, onde foi apresentada a agenda do projeto. Mas seu “tesouro" veio à tona no dia 23 de abril, dia Mundial do Livro e data oficial da abertura do Rio Capital Mundial do Livro, no Teatro Carlos Gomes. Durante todo o ano, os livros circularão por escolas e bibliotecas para debates, seminários e bate papos.

Confira abaixo alguns dos poemas que serviram de inspiração para a construção da caixa literária:

Fernando Pessoa

O Mar Portuguez”

 

“Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.”

 

José Saramago

A Ti Regresso, Mar”

 

A ti regresso, mar, ao gosto forte

Do sal que o vento traz à minha boca,

À tua claridade, a esta sorte

Que me foi dada de esquecer a morte

Sabendo embora como a vida é pouca.

A ti regresso, mar, corpo deitado,

Ao teu poder de paz e tempestade,

Ao teu clamor de deus acorrentado,

De terra feminina rodeado,

Prisioneiro da própria liberdade.

A ti regresso, mar, como quem sabe

Dessa tua lição tirar proveito.

E antes que esta vida se me acabe,

De toda a água que na terra cabe

Em vontade tornada, armado o peito.

 

Camões e o Mar em “Os Lusíadas”

 

Logo no início de sua obra icônica, Camões já inicia seu louvor a Portugal e situa seus protagonistas no mar:

 

As armas e os Barões assinalados / Que da Ocidental praia Lusitana /

 

Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana.

 

A Taprobana (nome antigo dado pelos gregos e romanos à ilha de Ceilão, atual Sri Lanka), conhecida nesse contexto como sendo o limite de até onde se havia chegado nas navegações que buscavam alcançar as Índias, é mostrada como superada pelo portugueses n'Os Lusíadas.

 

O mar estava sendo conquistado, muito além do que se imaginava poder ser.

 

Logo na proposição de Os Lusíadas, antes da narrativa da ação vivida pelo ilustre povo lusitano, o autor já nos confirma o valor dessa gente:

 

“E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antiga liberdade,

E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade;

Vós, ó novo temor da Maura lança,

Maravilha fatal da nossa idade,

Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,

Pera do mundo a Deus dar parte grande;

24/04/2025