Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Noticias > ABL na mídia - Revista Forum - Antônio Torres: 'a literatura me levou a escapar do cabo de uma enxada'

ABL na mídia - Revista Forum - Antônio Torres: 'a literatura me levou a escapar do cabo de uma enxada'

 

O escritor Antônio Torres, membro da Academia Brasileira de Letras, falou à Fórum sobre a sua trajetória entre Junco, povoado de Sátiro Dias (BA), e Petrópolis (RJ), cidade que o homenageiou na Flipetrópolis, o 2º Festival Literário Internacional de Petrópolis. Aos 84 anos, ele revisita memórias, afetos e consagrações que marcaram o caminho até aqui.

O autor chegou à serra fluminense em 2008, quando deixou o Rio e se isolou em Itaipava “a lutar com as palavras, em busca de um novo romance”, conta sobre a obra que só seria concluída doze anos depois: Querida Cidade. A relação com Petrópolis, porém, ultrapassou o processo de escrita. “Aos poucos fui me chegando a ela e ela a mim".

Nessa aproximação, vieram reconhecimentos sucessivos: prêmios da Academia Petropolitana de Letras, o Prêmio Guerra Peixe da Prefeitura, o título de Cidadão Petropolitano, homenagens na Universidade Católica, salas de leitura com seu nome em escolas comunitárias e até leitura dramatizada de Meninos, eu conto no Palácio Rio Negro. Para ele, o intercâmbio cultural entre sua terra natal e a chamada Cidade Imperial se deu “de forma espontânea, com arte e beleza”.

Antes de se dedicar integralmente à ficção, Antonio Torres trabalhou como jornalista e publicitário, experiências que moldaram sua escrita. Ele brinca: “O jornalismo me ensinou a ver o mundo. E a publicidade a contar isso rapidinho.”

'Literatura já representava o povo nordestino na sua cultura oral, através dos poetas populares e violeiros'

Sobre o papel da literatura na representação do povo nordestino, Torres destaca que antes mesmo do romance moderno, já existia uma tradição popular profundamente viva: cantadores, violeiros e poetas que, em rodas ao pé do fogão.

"Antes de delimitar o seu território no romance a partir do Ciclo de 30 (nos anos de 1930), com José Américo de Almeida, Rachel de Queirós, Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, a literatura já representava o povo nordestino na sua cultura oral, através dos poetas populares e violeiros em rodas de cantorias ao pé de um fogão de lenha, para espantar o medo da noite, e nos desafios nas feiras, que hoje chegam às festas literárias"

"Essa representação continua vivíssima", acresenta o escritor. Obras de autoras e autores contemporâneos como Maria Valéria Rezende, Ronaldo Correia de Brito, Raimundo Carreiro, Sidney Rocha e a projeção internacional alcançada por Itamar Vieira Júnior refletem a literatura contemporânea nordestina. Torres evoca Glauber Rocha para sintetizar essa força de renovação constante: “Se eu morrê, nasce outro”.

Com décadas de produção literária, o escritor compartilha aquilo que ainda o move:

“As inquietações começam diante da tela em branco, a me dizer: Meu reino por um título, por uma primeira frase, por um novo romance! Enquanto você batuca aqui – tac, tac –, o mundo vai mudar?” Ao revisitar sua trajetória, porém, ele retorna à infância no sertão baiano: "Mas sim: vindo de um mundo agrário e ágrafo, sem livros, a literatura num mundo agrário e ágrafo, sem livros - um caso de amor à primeira leitura, na escola rural da minha infância”, afirma, transformou completamente seu destino. “A literatura me levou a escapar do cabo de uma enxada, a que todos os nascidos ali estavam destinados. Lembrar disso me faz olhar para trás sem rancor".

Confira a entrevista na íntegra:

Fórum: Qual a sua relação afetiva e poética com Petrópolis? Como foi para você o intercâmbio cultural entre Junco e a Cidade Imperial?

Torres: Em 2008 me mudei do Rio para Itaipava, na serra petropolitana, e fiquei quieto no alto de um condomínio chamado Mirante do Sol Nascente, a lutar com as palavras, em busca de um novo romance, que levaria doze anos para chegar ao ponto final. Mas não é só este romance, Querida Cidade, o que devo a Petrópolis. Aos poucos fui me chegando a ela e ela a mim, e me enchendo de mimos, como os prêmios da sua Academia de Letras – da qual me tornaria seu membro efetivo - para o conjunto da obra e para o já citado romance Querida Cidade; o Prêmio Guerra Peixe, da sua Prefeitura, por notório reconhecimento; o título de Cidadão Petropolitano, da sua Câmara Municipal; mais de uma homenagem no evento Expoentes da Literatura, da sua Universidade Católica; nome em duas salas de leitura em escolas comunitárias. Leitura dramatizada do livro Meninos, eu conto no seu Palácio Rio Negro, pelos atores Sylvio Costa Filho e Pita Cavalcanti. E agora, autor homenageado da Flipetrópolis. Logo, o intercâmbio cultural entre o Junco (Sátiro Dias, Bahia, onde nasci) e a Cidade Imperial foi feito de forma espontânea, com arte e beleza.

Fórum: Na sua opinião, qual o papel que a literatura tem na representação do povo nordestino?

Torres: Antes de delimitar o seu território no romance a partir do Ciclo de 30 (nos anos de 1930), com José Américo de Almeida, Rachel de Queirós, Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, a literatura já representava o povo nordestino na sua cultura oral, através dos poetas populares e violeiros em rodas de cantorias ao pé de um fogão de lenha, para espantar o medo da noite, e nos desafios nas feiras, que hoje chegam às festas literárias. Essa representação continua vivíssima nas obras de Maria Valéria Rezende, uma santista que fincou suas raízes na Paraíba de Marília Arnaud; do cearense Ronaldo Correia de Brito; dos pernambucanos Raimundo Carreiro e Sidney Rocha. A Bahia de João Ubaldo Ribeiro, Franklin Carvalho e Aleilton Fonseca deu uma grande virada nacional e internacional com Itamar Vieira Júnior. Pois é como dizia Glauber Rocha, pela boca do Capitão Othon Corisco Bastos, em Deus e o Diabo na Terra do Sol: “Se eu morrê, nasce outro”.

Fórum: Antes de viver da literatura, você atuou como jornalista e publicitário. Essas profissões influenciaram o seu olhar literário? De que forma?

Torres: O jornalismo me ensinou a ver o mundo. E a publicidade a contar isso rapidinho.

Fórum: O que ainda o inquieta como escritor? Quando você revisita a própria trajetória, que leitura faz do caminho percorrido até aqui?

Torres: As inquietações começam diante da tela em branco, a me dizer: meu reino por um título, por uma primeira frase, por um novo romance! E quando uma palavra vem e puxa outra, traz a pergunta: enquanto você batuca aqui – tac, tac -, o mundo vai mudar? Mas sim: vindo de um mundo agrário e ágrafo, sem livros, a literatura – um caso de amor à primeira leitura, na escola rural da minha infância - me levou a escapar do cabo de uma enxada, a que todos os nascidos ali estavam destinados. Lembrar disso me faz olhar para trás sem rancor.

Matéria na íntegra: https://revistaforum.com.br/cultura/2025/12/1/antnio-torres-a-literatura-me-levou-escapar-do-cabo-de-uma-enxada-193261.html

03/12/2025