Com uma homenagem especial ao Acadêmico Antonio Torres, o Flipetrópolis movimentou durante três dias o Palácio de Cristal, em Petropólis, no último fim de semana, de 27 a 30 de novembro. Mesas de debates, lançamentos de livros, entrega de prêmios e atividades para crianças, um lindo encontro para celebrar o livro. Os debates podem ser vsitos na íntegra no canal do Youtube da Flipetrópolis.

EDUARDO GIANNETTI: O que existe depois do infinito?
Eduardo Giannetti deu início à participação dos acadêmicos na Flipetrópolis na mesa sobre ficção e finitude, ao lado de Jamil Chade, o mediador, e Sergio Abranches – “Futuridades, Finitude e Ficção” – entre a imortalidade e o colapso.
“A ideia do infinito é perturbadora. O que existe depois dele? será que existe infinito maior e infinito menor? De fato, a economia trabalhou durante muito tempo com a ideia de que não havia uma restrição externa imposta pela natureza. Os modelos econômicos tratavam a natureza como uma cera: uma substância que você põe o modelo ,entra lá e sai de lá como um produto. Estamos descobrindo que é um equívoco monumental e a natureza impõe limites. Podemos fazer uma comparação com a saúde, com o clima e a natureza. Podemos ignorar um problema à nossa volta, mas ele não vai nos ignorar; e quando ele é ignorado, vai se deteriorando até o ponto em que ele impõe a sua realidade. E impõe respostas.
Por quanto tempo vamos fingir que o problema do clima não tem a relevância que tem, e até que ponto vai ser preciso piorar para que a humanidade se dê conta de que precisa agir? Não basta ficar bem na foto e fazer 80 COPs, que não resolve nada. A realidade se impõe, é como na saúde. Você vai tomando analgésicos que não resolvem nada até que a realidade se impõe.
Será que vamos esperar a coisa ficar tão grave para que a gente reaja e coordene uma ação que de fato enfrente o problema? A única coisa que nos cabe é fazer com que o caminho seja o menos custoso, mas do jeito que vai, a cada dia se agrava”, analisou Giannetti.
ANA MARIA MACHADO: fui mais discrimanda como mulher no jornaismo do que na literatura
A mesa “Mulheres na via mão da história” teve três mulheres poderosas: a Acadêmica Ana Maria Machado, a jornalista Flavia Oliveira e Livia Sant’Anna Vaz, escritora e promotora de justiça.
Livia Sant’Anna, como mediadora, abriu o debate falando de afeto. “Ele é revolucionário”. E se dirigindo às companheiras de mesa: “E vocês, para mim, com a trajetória de vocês, com a escrita de vocês, me trazem muito afeto. Nós estamos aqui, então, para pensar a história, mas também para pensar e gestar o próprio futuro. E, sobretudo, pensar quem tem o direito a contar as histórias e quais são as histórias que são ouvidas, quais são aquelas que são silenciadas e por que ainda são silenciadas. E é justamente contra esses silêncios, ou melhor, contra as tentativas de apagamento e de silenciamento, que essas mulheres aqui presentes se levantam há décadas, cada uma a seu modo, com a força da escrita, da investigação, da memória, da coragem”.

“Ana Maria Machado, autora de mais de 100 livros, traduzida mundo afora, reconhecida com tantos prêmios, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, essa hora que vocês batem muitas palmas, porque isso não é qualquer coisa. Isso não é qualquer coisa. Não é qualquer coisa. Num país tão machista, sexista e patriarcal como o nosso, isso não é qualquer coisa. Não é, Ana Maria? E é uma referência formadora de leitores e leitoras de todas as idades”.
Ana Maria pegou a deixa e falou sobre sua vida de escritora e de jornalista, e os percalços e alegrias que encontrou nas duas. E como mulher, o jornalismo foi mais perverso do que a literatura.
“Nós, mulheres, estivemos sempre muito presentes e muito ausentes, muito apagadas, mas aparecendo mais, tendo uma presença, no momento, muito mais forte. Eu acho impressionante a força de mulheres escrevendo no Brasil hoje. Toda semana tem um livro novo, tem não sei o quê, e a gente não consegue acompanhar. Lá na Academia, por exemplo, a Heloísa Buarque, que foi minha amiga da vida toda, quando entrou, dizia: Ana, você consegue estar acompanhando como está? Porque ela começava a acompanhar o movimento das mulheres e não conseguia tempo para ler os livros. E ela dizia, resume para mim, diz isso, o que é, seleciona. Eu dizia, tem que ler Luciana Aparecida, tem que ler... E ia pegando, assim, porque são tantos. E é muito bonito esse momento, que está jorrando, mas, ao mesmo tempo, está florescendo. Parece que é muito, mas é o resultado de uma coisa muito lenta, muito recôndita, mergulhando muito fundo. Por isso eu acho que a imagem de florescer é boa, porque tem a ver com raiz, com plantio de muito tempo, de se alimentar da terra, de um coletivo, de uma coisa assim. Mas acho que isso está chegando mais e está presente.
Penso em uma outra coisa, que não tem a ver diretamente, mas o fato de nós sermos jornalistas também. Eu devo dizer que, olhando a minha experiência pessoal, eu acho que eu senti muito mais preconceito e muito mais dificuldade no jornalismo do que na literatura. Eu me lembro, no Jornal do Brasil, eu sair, por exemplo, para fazer cobertura no exterior, e éramos dois jornalistas. Sílio Boccanera e eu cobríamos a mesma coisa. Nós mandávamos a matéria junto e a matéria saía assinada só por ele. E aí reclamamos. Naquele tempo, nos telefones americanos, tinha uma bolinha que ficava atrás, que a gente tirava e ouvia quando o outro estava conversando. Então, ele ligava e falava com o chefe de redação, reclamava. “É a terceira vez que eu mando uma matéria, minha e da Ana, assinada pelos dois, uma cobertura, e só sai meu nome.
E eu ouvi, com esses ouvidos que a terra há de comer, o secretário de redação dizendo que enquanto ele mandasse qualquer coisa naquela bosta, nome de mulher não saia assinando matéria no primeiro caderno. E isso, Jornal do Brasil, que era a vanguarda da vanguarda na imprensa brasileira. Isso eu nunca encontrei na literatura. Eu encontrei críticos que diziam até “escreve como um homem”, ou então dizia assim, ou então dizia “só mesmo na cabeça de uma mulher para escrever essas coisas”. Isso eu encontrei. Mas dizer que não dava nem para assinar, que enquanto ele mandasse naquela bosta, o meu nome não podia estar lá, isso só na imprensa. Então, o que eu quero dizer é que é geral, não é só na literatura que as vozes são silenciadas, é na sociedade inteira. Até outro dia, a gente não podia votar, a gente não podia ter conta em banco, a gente não podia se divorciar”.
EDUARDO GIANNETTI: Precisamos ter orguho de sermos vira-latas
Foi o Acadêmico Eduardo Giannetti quem arrebatou a plateia na mesa “O Brasil em Revista”, para apresentação da 14ª edição da Revista Brasileira, da ABL, “Terra em Transe”. Rosiska Darcy e Crsitina Aragão, mediadora da mesa, falaram sobre o contexto histórico da "Revista Brasileira", a mais antiga do país, anterior à própria fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL), tendo inclusive sido o berço da ideia da ABL.

Rosiska Darcy e Cristina Aragão, mediadora da mesa, falaram sobre o contexto histórico da "Revista Brasileira", a mais antiga do país, anterior à própria fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL), tendo inclusive sido o berço da ideia da ABL.
Há três anos, Rosiska assumiu a direção e promoveu uma "revolução", expandindo o escopo da revista para além da literatura. Tornou-se um espaço de pensamento aberto, incluindo textos científicos, entrevistas com diversas personalidades e uma arena de discussão e reflexão sobre o Brasil.
“O propósito da Revista é ser "uma revista brasileira sobre o Brasil, escrita por brasileiros, e que passa o Brasil em revista", refletindo o que o país tem de melhor e fomentando o orgulho nacional”, disse Rosiska.
A revista apresenta temas relevantes como Amazônia, inteligência artificial, meio ambiente, pensamento utópico e futuro da nação. Conta com colaboradores de peso como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Marina Colasanti, Ailton Krenak, Heloísa Seixas e Paulo Henriques Britto. Publicou originalmente "Memórias Póstumas de Brás Cubas" em capítulos.
Inspirada na frase de Caetano Veloso, "O Brasil vai dar certo porque eu quero", Rosiska entende-a como uma convocatória para os brasileiros não desistirem do país. Ela argumentou contra a ideia de que "tudo no Brasil está errado", que muitas vezes foca excessivamente na política restrita de Brasília, em vez de observar os progressos na sociedade.
“A sociedade brasileira, hoje, é muito diferente daquela que eu, na minha idade, conheci, ou seja, uma sociedade em que as mulheres, no Código Civil, eram relativamente incapazes. Agora eu cito, entre aspas, juntamente com os indígenas... Não, não eram indígenas. Esse é um tratamento respeitoso. Eram os silvícolas, os silvícolas e os loucos de todo o gênero. As mulheres casadas, os silvícolas e os loucos de todo o gênero eram relativamente incapazes.
Então, passando o Brasil em revista, eu só posso olhar para a sociedade hoje quando não só nós temos e conquistamos, entre outras coisas, o direito de voto, e ainda conseguimos a possibilidade de decidir as eleições, eu não posso, senão ser otimista em relação a esse aspecto da sociedade. Eu diria a mesma coisa para o movimento negro, que fala por si e se explicita com muita clareza, e diz o que quer e diz o que pretende nessa sociedade.
Então, a opção da Revista Brasileira foi a opção de jogar uma luz sobre aquilo que o Brasil tem de melhor, para que nós possamos nos orgulhar desse país, saber que nós já fizemos muita coisa, que ele já teve uma longa trajetória. Eu sou contemporânea e vítima da ditadura, e eu diria que hoje o valor da democracia, o valor que nós todos atribuímos à democracia, é imenso, e que nós vamos defender, temos que defender essa democracia com todas as nossas forças, porque ela está sob ataque”.
O que se procurou na Revista foi refletir o que nós acreditamos, e eu creio que meus colegas aqui não me desmentiriam, o que nós acreditamos ser o papel da Academia Brasileira de Letras. Quer dizer, a Academia Brasileira de Letras é uma instituição que tem um reconhecimento, que tem uma longevidade, coisa rara no Brasil para uma instituição cultural. E ela tem uma responsabilidade. Ela tem a responsabilidade de ser uma defensora desses valores, que são valores civilizatórios. E a Revista procura ser a porta-voz dessas convicções que são as nossas, que são aquelas que nos fundamentam, digamos assim, aquelas sobre as quais nós estamos apoiados e que nós tentamos falar para fora, dando à nossa Revista um sentido não de anúncio, mas um sentido de existência real e de importância na formação da opinião ainda hoje.
Então, eu acho que a nossa geração conheceu a ditadura, lutou pela democracia e está hoje muito atenta a que não se percam as conquistas que já foram feitas. Repito, na Revista Brasileira se encontrará, quem quiser se interessar de ler, de vê-la ou que já conhece, se encontrará boas razões, boas razões para ter esperança nesse país”.
Eduardo Giannetti celebrou a "nova encarnação" da Revista por reintroduzir a ABL na contemporaneidade e nas questões relevantes do Brasil, elogiando sua curadoria e temática.
Olha que coisa importante. Um dos maiores, se não o maior, romance escrito no Brasil, "Memórias Póstumas, de Brás Cubas", aconteceu na Revista Brasileira. É verdade. Essa foi a revista que trouxe a lume, deu à luz, nada menos do que "Memórias Póstumas, de Brás Cubas". Em capítulos. Em capítulos, em fascículos. Aos soluços. Quer dizer, não é pouca coisa, e nós, brasileiros, temos que saber valorizar isso e resgatar essas instituições, em vez de deixarmos elas a míngua, morrendo.
Saldo essa nova encarnação da Revista Brasileira como um voto de esperança e uma enorme contribuição, não só para a Academia e para o público, mas para a cultura brasileira”.
Giannetti pediu então licença para deixar um pouco a revista e passar o Brasil em revista “Queria dar uma palavrinha sobre o outro tema dessa mesa, que é o Brasil em Revista. Depois de falar da Revista Brasileira, um pouquinho sobre o Brasil em Revista e observar que a espetacular linhagem de intérpretes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Celso Furtado, etc.) sempre busca a identidade brasileira olhando para o passado. A pouca reflexão sobre uma identidade prospectiva – um projeto de nação, valores unificadores ou um sonho brasileiro que mobilize a imaginação para o futuro.
“O Brasil, que gosta de se imaginar um país do futuro projetado, para o amanhã, quando pensa a sua identidade, olha para trás, ele busca a sua identidade retrospectivamente”.
Cita Oswald de Andrade e Darcy Ribeiro como raras, mas fragmentadas, exceções.
Menciona o "Sonho Americano", "Utopia" de Thomas More, "Nova Atlântida" de Francis Bacon “O Xi Jinping escreveu um livro sobre o sonho chinês” como exemplos de culturas que desenvolveram uma visão prospectiva.
E explica esse desequilíbrio pela ideia de Nelson Rodrigues do "complexo de vira-lata", um sentimento de inferioridade arraigado desde o período colonial (os "mazombos" que queriam ir para Portugal. Ele propõe ressignificar o termo. Para ele, o "vira-lata" é o que o Brasil tem de melhor: mestiço, misturado, espontâneo, alegre, capaz de improvisar. O verdadeiro complexo é a crença de que há algo errado em ser vira-lata. E evoca os brasileiros a se orgulharem da "condição vira-lata", a se desvencilharem do colonialismo mental e a celebrarem sua identidade única e autêntica.
Sérgio Buarque de Holanda, "Raízes do Brasil," vamos lá para trás. Gilberto Freire, C"asa Grande e Senzala", vamos lá para trás. Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", vamos lá para trás. Antônio Cândido, "Formação da literatura brasileira," vamos lá para trás. Manoel Bomfim, "Males de origem", vamos lá para trás.
Então, é uma linhagem espetacular, mas ela sempre tenta entender o Brasil com um olhar retrospectivo, de identidade passada. Por que nós exercitamos tão pouco a busca da identidade prospectiva.
Existe um sonho brasileiro? Existem valores que nos unem? Existe um projeto de nação que mobiliza a imaginação brasileira e em nome do qual vale a pena lutar?
A gente exercitou isso pouquíssimo nessa linhagem de grandes intérpretes e pensadores do Brasil.
Há duas exceções, mas fizeram isso eu devo dizer com franqueza, de maneira muito fragmentária e rapsódica até.
Oswald de Andrade, a utopia brasileira, mas ele faz isso de maneira, eu diria, quase irresponsável, e muito brincalhona e bem-humorada, mas realmente sem densidade e sem um trabalho de construção articulado.
Um nome que avançou mais nessa direção, mas que eu acho que também precisamos retomar, que é Darcy Ribeiro. Ele tinha esse elemento de futuridade em relação à cultura brasileira.
Mas, de um modo geral, o meu balanço é que falta ainda, na cultura e no pensamento brasileiro sobre o Brasil, um trabalho mais consistente, mais ousado, mais visionário até, em relação ao futuro que temos condição de alcançar.
Outras culturas, para fazer um comparativo, fizeram esse exercício.
Não é à toa que se fala do sonho americano. Henry Adams, um escritor, historiador americano, fez uma proposta do que seria o sonho americano.Os ingleses fizeram isso.Thomas Moore, "A Utopia".
Francis Bacon, "Nova Atlantida"
São projetos utópicos. uma sociedade calcada em ciência e tecnologia. A própria China, agora, tem o sonho chinês. O Xi Jinping escreveu um livro sobre o sonho chinês.
E a gente ainda está por fazer isso, eu acho, realmente, para valer no Brasil. Como explicar isso?
Mas eu acho que parte da explicação é o que o Nelson Rodrigues chamou de complexo de vira-lata, sobre o qual eu queria fazer um pequeno comentário. Eu acho que o Nelson Rodrigues, quando cunhou essa expressão, tocou o dedo numa ferida.
Nós temos, de fato, um sentimento de inferioridade muito arraigado e muito difundido na imaginação brasileira, porque nós vivemos nos comparando com eles, lá na frente, o mundo desenvolvido, o chamado mundo rico, os países desenvolvidos, e sempre nos imaginando como tendo ficado para trás.
O Brasil não chegou lá. Eu acho que o Nelson Rodrigues pôs o dedo na ferida, realmente. Isso é parte da experiência brasileira, desde o descobrimento. Os primeiros nascidos no Brasil, filhos de colonizadores portugueses, com índias e depois com escravos eram chamados mazombos, ou seja, pessoas rústicas, rudimentares, e tudo o que eles queriam era ir para Portugal, fazer um curso e, eventualmente, nunca mais voltar. Quer dizer, já vinha um sentimento de inferioridade por ser daqui, por ser brasileiro.
MIRIAM LEITÃO: sou capaz de chorar escrevendo um livro sobre economia
O jornalista Jamil Chade abriu a mesa “A literatura e o pensamento social se encontram para compreender um país em transformação” afirmando que estava ali ao lado de dois dos principais artífices do Brasil contemporâneo, cada qual usando instrumentos muito, muito poderosos: Miriam Leitao e Itamar Vieira. “E nós estamos num momento ímpar da construção do Brasil. Se eu, talvez, me permita usar essa palavra, nós estamos soldando a democracia. Com revanche? Não. Com justiça. E aqui, com literatura”, disse.
Foi a Acadêmica Miriam Leitão que começou falando, sobre o livro “Tempos extremos”, publicado em 2014, escrito em 2012. E republicado em 2024, porque a editora avaliou que ele estava atualizado.

“Criei uma situação que a gente não via naquela época. Naquela época, o conflito político era entre PSDB e PT. E eu criei uma situação de uma família que tenta comemorar o aniversário da matriarca e não consegue, porque os irmãos têm posições políticas tão acirradamente diferentes que eles entram em um conflito insanável. E essa é a discussão. Esse é um plot. É uma história com três plots, porque tem uma história que se passa na ditadura e uma história que se passa na escravidão. Então, essa família vai para uma fazenda em Minas Gerais para comemorar e, na verdade, eles ficam de frente a duas dores insanáveis do Brasil. Não são dores que se possam comparar, porque a dor da escravidão sempre será a nossa maior, mais vasta, mais longa e menos bem enfrentada que existe na história do Brasil. Mas eu criei um plot que se passa na escravidão, em que dois irmãos estão em conflito, mas é um conflito amoroso. E um momento atual em que dois irmãos estão em conflito. E é uma polarização radicalizada. O livro ficou real em 2018.
Miriam explicou que escreveu dois livros ao mesmo tempo. ”Eu estava escrevendo um livro de não-ficção, sobre o futuro. E, na área política, eu acho que eu não conseguia admitir que nós estávamos caminhando para essa polarização. Então, essa história surgiu na minha cabeça e eu comecei a escrever meio empurrada pelos personagens. E, no livro sobre o passado, sobre dois passados, eu pude dizer que nós entraríamos num conflito muito doloroso, no nosso teste, maior teste, que a democracia já enfrentou desde 1985”.
A Acadêmica falou ainda sobre seu livro “Saga Brasileira”, o mais bem-sucedido. Ganhou o Jabuti de Livro do Ano de Não-ficção, o Jabuti de Livre-Reportagem.
“Tem gente que acha que é sobre o Plano Real. Não é sobre o Plano Real. É sobre uma jornada que o país fez, uma escolha que o país fez. Pela derrubada da hiperinflação. Então, a gente teve 50 anos atravessado por uma inflação alta, superinflação e depois hiperinflação, e decidiu não ter mais. E foi uma escolha coletiva. O que era desafiador é que eu não queria fazer uma coisa dos gabinetes. Eu não queria falar que os economistas, super-heróis, trancados num bunker, iam fazer uma solução e impor o país, porque eu vi que não foi assim que aconteceu. O que eu vi que aconteceu é um trabalho de convencimento, um trabalho de compreensão e, principalmente, como jornalista de economia, eu vi o dia-a-dia da economia.
O dia-a-dia da dona de casa que tinha que fazer compras, do dono de casa que tinha que fazer compras, da luta para criar os filhos. E, no meio daquela correria contra os preços, ela tinha que ir cedo, acabou de receber o salário, tinha que correr para fazer as compras, porque a nossa esperança de adquirir o que a gente precisava, o que o país precisava, ela parecia um sorvete no sol, porque derretia, a moeda derretia. E o país tentou uma vez, não deu certo, tentou a segunda vez, não deu certo, tentou a terceira vez. Eu quis contar essas várias etapas e quis contar de todas as perspectivas.
As decisões de compra e venda determinam os rumos. E houve um momento em que o Plano Real correu muito risco. E eu quis contar o depois também, porque, depois do Real, teve muita quebra de banco, crise cambial e tal. E teve um momento, em 1999, que teve uma corrida bancária. Todo mundo achou que o Fernando Henrique ia fazer uma coisa como o Fernando Collor de Melo, que ia sequestrar. Saiu um boato assim. Foi numa época de muita instabilidade. E aí, numa sexta-feira, saiu muito dinheiro. As pessoas foram ao banco e sacaram o dinheiro. Eram pessoas feridas pelo Plano Collor. Pessoas que estavam reagindo em autodefesa. Se aquela corrida continuasse, o Plano Real acabaria ali. Mas, na segunda-feira, as pessoas voltaram e botaram o seu dinheiro no banco. Isso é mágico. Isso é incrível. Isso é uma coisa muito tênue, que é a confiança. Durante o fim de semana, Pedro Malan ficou ali lutando para reconquistar a confiança. Falando na televisão, dando entrevistas. E, na segunda-feira, o brasileiro deu uma segunda chance ao Real. E o Real é, até hoje, a nossa moeda. Então, eu acho isso tão incrível, porque é todo o país se mexendo ao mesmo tempo, tomando suas decisões. Então, foi uma aventura. Eu escrevi várias vezes. Eu estava escrevendo o livro e eu chorava. Eu falava, quem escreve um livro de não-ficção, de economia, e chora? Eu. Eu sou essa pessoa.
GERALDO CARNEIRO: a poesia brasileira vive um momento espetacular
Geraldo Carneiro foi a voz da ABL no painel “A forma e as formas da poesia na literatura brasileira” , ao lado do escritor Gustavo Grandinetti, autor da biografia do poeta Mario Quintana, com Livia Sant’anna de mediadora.
Para ele, a poesia brasileira vive um conceito da filosofia política que merece ser contrabandeado para a poesia, que é a “crise de hegemonia”. “Hoje não há uma única forma de se fazer poesia, e é um privilégio do nosso tempo. Havia um cânone, e ele tinha que ser infinitamente repetido. E ficávamos refém de uma forma única. Lembrou como exemplos a poesia modernista do início do século XX, e a poesia concreta dos anos 50.
“Vivemos um momento riquíssimo da poesia brasileira. Vejo figuras contraditórias que tem lugar simultaneamente. No século XX tivemos uma espécie de celebração da modernidade. Talvez o divisor de águas tenha sido o famoso poema do Drummond, “No meio do caminho tinha uma pedra”. Depois, Joao Cabral de Melo Neto inventou uma gramatica própria, forma só dele, rompeu com o decassílabo, herança clássica, e criou para si um lugar especifico, com um certo confinamento poético.
Hoje, o momento encarna todas estas tendências, sem abdicar de nenhuma delas. Os poetas hoje têm uma certa liberdade para brincar em todas as formas e talvez tenhamos o sonho de nos tornarmos um dia um pequeno avatar de Fernando Pessoa. Às vezes me ocorre de escrever à moda antiga, de forma fixa, como por exemplo um soneto. Escrevi um quase soneto “Como fazer florescer a flor”, que diz: “Casar ou não casar, esta é a questão. É igual aqui, ou no Casaquistão. Que eu chamaria de Casarquistão, ou se você quiser, Quiserquistão. O que está fora de questão é amar-te, mesmo que seja em Vênus ou em Marte. Mas se eu pudesse escolher, acredite, escolheria o reino de Afrodite. Não sei se por qualquer superstição, vinda, sei lá, de algum sei la quistão, ou por amor de outras mitorlogias, dos orixás da Grecia ou da Bahia. Não que lá em Marte fosse amar-te menos, mas eu preferiria amar- te em Vênus”. O poeta lembrou que, na adolescência, sua paixão era a música, mas fracassou redondamente. Foi sendo exilado da música e seus parceiros o empurraram para as letras.” Fazia letras que não tinham música, Tive um professor na PUC, Afonso Romano de Santana, que me pediu alguns textos para publicar, que ele gostou. Outro professor, o Cacaso, grande poeta, me incentivou. E comecei a escrever por incitação de amigos e professores”.
ANTÔNIO TORRES: a poesia me salvou da enxada
Na última mesa do sábado, o auditório do Palácio de Cristal finalmente recebeu o autor homenageado desta edição, o Acadêmico Antonio Torres. Não há, nesse momento, ninguém mais merecedor de uma homenagem em um festival literário do que Antônio Torres. (…) Os textos dele são diamantes, são jóias muito bem lapidadas”.
Grande contador de histórias, Torres não se furtou a contar algumas de sua trajetória desde o sertão da Bahia, onde nasceu, ao Rio de Janeiro e à eleição para a ABL. Prestou também uma homenagem a Petrópolis, onde morou por vários anos e que sempre o acolheu tão bem. “Um grande obrigado à Petrópolis, com a qual convivi por 17 anos e alguns meses. Cheguei aqui discretamente. (…) E a alma se perdeu entre as montanhas... Sou também da Cadeira número 11 da Academia Petropolitana de Letras”.

O escritor falou sobre o livro “Querida cidade”, segundo ele, seu romance mais ambicioso. “Até me perguntar: tanto trabalho, quem vai se importar com isso? Certamente ninguém. Mas eu me importo”, ele destacou. Ele lembrou que na infância, estava destinado ao cabo de uma enxada. Mas, aí, descobriu a poesia e tudo mudou.
“Eu venho de um mundo agrário. Eu venho de um mundo sem livro. No entanto, fabulava-se muito. Ao fim da tarde, a família se reunia para ver o pôr do sol. Ou melhor, pra ver o sol se pondo no Brasil para nascer no Japão. Todos se reuniam ao pé do fogão para contar histórias. Para espantar o medo da noite”.
Instigado por Sergio Abranches, mediador da homenagem e curador da Flipetrópolis, Antonio Torres falou sobre sua obra, especialmente do romance “Querida Cidade”, segundo ele sua obra mais ambiciosa, e da importância de Guimarães Rosa em sua carreira de escritor.
“Corpo de baile” foi meu primeiro contato com a literatura de Rosa. “Eu acho que Guimarães Rosa percebeu as motosserras que iam derrubar a língua. Essa língua dos nossos ancestrais. Fico com a impressão de que ele escreveu para deixar essa língua. Que ela sobrevivesse na literatura dele”.
Falou também sobre o livro “Querida cidade”, segundo ele, seu romance mais ambicioso. “Até me perguntar: tanto trabalho, quem vai se importar com isso? Certamente ninguém. Mas eu me importo”, ele destacou.
“Como é começar uma carreira literária na resistência?”, perguntou Sergio Abranches.
Segundo Torres, nos anos 1970, ele estava escolado em ditadura militar, em censura, em falta de liberdade. “Vivi em Portugal sob uma ditadura mais antiga que a nossa”, a ditadura de Salazar. Essas experiências em ditaduras influenciaram a escrita do romance “Os homens dos pés redondos”, recentemente reeditado e sucesso do lançamento na década de 1970. “Foi lido como uma peça de resistência da ditadura. Foi entendido como uma coisa que tinha a ver com aquele clima que havia ali”, ele refletiu.
Eu acho que você e Rosa são dois exemplos de como você pode tirar do sertão, da vida agrária brasileira, uma história universal”, reforçou Sérgio Abranches. “
Grande contador de histórias, Antônio Torres terminou a noite compartilhando memórias com o público, arrancando risadas e aplausos.
02/12/2025