Ela fez essa declaração ao abrir a cerimônia de formatura da Universidade das Quebradas, realizada na última terça-feira (14) no Rio de Janeiro, onde se tornou a primeira mulher negra a ser eleita imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL).
A fala de Gonçalves ressoou entre os 46 formandos presentes no Teatro Raimundo Magalhães Jr, incluindo Ismael Queiroz Dias, um jovem escritor de 29 anos que se identifica como indígena, negro e causasiano. Embora natural de Niterói, ele se considera parte de várias regiões do Brasil devido à sua trajetória.
Ismael expressou inicialmente insegurança em relação ao curso, pois havia outros escritores já publicados entre os alunos, incluindo ele mesmo, que lançou em 2022 uma coletânea de contos sobre milicianos no Rio, intitulada A Cidade Maravilhosa dos Milicianos: Compêndio Poético. Contudo, ele encontrou um ambiente de aprendizado enriquecedor e solidário.
“É uma honra estar aqui hoje, me formando e representando muitas pessoas, meus ancestrais e todos que vieram antes de mim, além da minha mestiçagem e, especialmente, os indígenas dos quais sou parte”, compartilhou.
Extensão Universitária
O Curso de Escritores é uma iniciativa da Universidade das Quebradas, um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criado por Heloísa Teixeira e Numa Ciro, com o objetivo de formar novos escritores, especialmente de áreas periféricas do Rio.
A proposta é uma colaboração entre a UFRJ, o Instituto Odeon e a ABL. Os alunos participam de aulas semanais no prédio da ABL, onde estudam as obras de autores renomados. A turma de 2025 focou nos escritos do dramaturgo e escritor Ariano Suassuna.
Ao longo do semestre, os alunos exploraram a obra do autor paraibano, que combina literatura e arte popular com tradição e identidade. Como resultado final, os quebradeiros e quebradeiras, como foram carinhosamente chamados por Heloísa Teixeira, lançaram o livro Suassuna Quebradeiro, que contém contos e peças escritas por eles e está disponível online.
A Própria História
Lady Victória Padilha, de 23 anos, natural de Manaus e estudante de Letras-Português na UFRJ, acredita que as aulas trazem a universidade para aqueles que, muitas vezes, estão distantes da academia. Embora não seja tão experiente quanto seus colegas, sua paixão por livros a motivou a escrever suas próprias narrativas.
Lady expressou satisfação em estudar Ariano Suassuna, afirmando que não se trata apenas de literatura regional, mas de uma parte da cultura brasileira que se torna acessível. Seu conto na coletânea da Formação de Escritores, intitulado O Jovem Vendedor de Codajás, reflete suas raízes do norte.
“É uma narrativa humorística sobre uma viagem de barco, que também aborda a experiência de venda de açaí, muito comum na região de onde venho”, explicou.
Arte Plena
Rose de Souza Garcia, de 60 anos, que também estudou Letras na UFRJ, conhecia a Universidade das Quebradas, mas só decidiu se inscrever no curso de escritores após publicar seu primeiro conto este ano.
Ela reconhece que, devido à ligação do projeto com instituições específicas, alguns processos podem ser mais rigorosos. Para ela, é necessário “cavar espaços”, encontrar oportunidades e flexibilizar certas estruturas para que a arte possa se manifestar plenamente.
Apesar dos obstáculos, a experiência tem sido enriquecedora: “é um aprendizado, pois estamos juntos, trocando experiências e conhecendo as realidades de outros escritores”.
Carlos Gradim, presidente do Instituto Odeon, destaca que os alunos trazem uma rica bagagem de escrita, seja profissional ou amadora, e o curso busca desenvolver esses talentos. “Temos um espaço de escuta, pois entendemos que, nos territórios de onde selecionamos esses jovens, existe um saber muito potente que já está presente, e buscamos dialogar com esse conhecimento acadêmico”, concluiu.
Matéria na íntegra: https://metronews.com.br/formatura-da-universidade-das-quebradas-celebrando-a-cultura-das-periferias/
15/10/2025