A Universidade das Quebradas encerrou mais um curso de formação de escritores – ou melhor - dos “Quebradeiros”, como são chamados os alunos que participam do projeto. A cerimônia de formatura foi na última terça-feira, dia 14, na ABL. Os textos escritos pelos alunos ao longo dos sete meses de curso foram reunidos no livro “Suassuna Quebradeiro”.
A acadêmica Ana Maria Gonçalves, o filho de Heloisa Teixeira, Lula Buarque de Holanda, o professor de Literatura e representante do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, Eduardo Coelho, que esteve à frente de todas as oficinas de literatura, a professora e coordenadora das Quebradas Numa Ciro e representantes do Instituto Odeon, que coordena a Universidade das Quebradas e da Vale, patrocinadora do curso participaram do evento. A plateia foi tomada por aplausos e sorrisos que escancaravam a felicidade dos formandos, que entraram no auditório ao som de “Realce”, do Acadêmico Gilberto Gil.
Idealizado pela acadêmica Heloisa Teixeira, morta em março de 2025, que junto com a professora Numa Ciro deixou pronta essa edição em homenagem a Ariano Suassuna, o curso tem como objetivo dar voz à periferia, com foco na formação de novos autores, que carecem de espaço, técnica e capacidade de publicação.
Representando a ABL, a escritora e acadêmica Ana Maria Gonçalves disse que o curso de formação de escritores trata de uma sorte dupla: tanto da Academia, quanto da literatura brasileira, que pode contar com os “quebradeiros”. A escritora também destacou que tudo de mais interessante, de novo e de ousado, com potência de mudar a sociedade brasileira, vem das periferias, das quebradas.
“Tudo o que chega ao centro vem de lá, passa por lá. É um processo mais que necessário de atualização de sabedoria, do cânone literário, de tudo que a gente vem produzindo. Vocês são mais que necessários, mais que essenciais.”
Ao final da sua fala, a escritora fez um pedido de regaste da criança interior. “Conservem sempre o espírito de quebrar paradigma, de sonhar, de acreditar e realizar. Um diálogo com sua criança interior é fundamental. Criança não aceita o lugar onde acham que ela deve estar. E ela corre atrás e tem possibilidade de ter um grande futuro.”
Durante toda a cerimônia, Heloisa foi lembrada como a responsável por abrir um caminho de renovação do pensamento e da prática cultural entre a periferia e a academia.
“Heloisa trouxe a Universidade das Quebradas e sonhou com seu novo objetivo: expandir seu projeto para outras quebradas do país, chegar ao Brasil profundo. Essa edição - dedicada ao Ariano Suassuna - é também uma homenagem a Heloisa. Duas figuras que, cada uma a seu modo, souberam ler, ouvir e sentir a alma do Brasil. Ariano com sua vivência, seu olhar atento ao povo e a mistura de riso e tragédia. Sertão e cidade. E Helô com sua irreverência, verdade e vontade de descobrir o mundo em suas nuances viscerais”, afirmou Numa Ciro.
No vídeo exibido em um dos primeiros momentos da cerimônia, Helô afirma que o projeto das Quebradas, de alguma forma, sempre esteve dentro dela. “Dois saberes, o da Academia e o da periferia, duas formas de ver o mundo que podem trabalhar junto e mudar tudo o que a gente pensa e faz”, ela definiu.
Em seu discurso escrito para a formatura, que Heloisa deixou pronto, ela afirma que sentiu como missão levar para a ABL os descendentes de Machado de Assis, escritores talentosos, crias das múltiplas comunidades do Rio de Janeiro, que, através do curso Ariano Quebradeiro, poderiam criar um novo ponto de vista sobre o Brasil e o Nordeste.
“A minha primeira militância foi a acadêmica, não foi social. Eu queria mostrar para a academia que tinha uma falta de conhecimento gigantesca de transformações sociais profundas que estavam acontecendo e a academia deixava passar batido. Ouvir esse conhecimento novo é interessante porque não é cultura de raiz, é uma cultura pop, urbana e contemporânea”.
Filho de Heloisa, Lula Buarque de Holanda disse que vai criar o Instituto Heloisa Teixeira junto dos seus irmãos. “Nosso intuito é manter as Quebradas para sempre, fazer dele um projeto eterno. Vamos manter essa corrente. Heloisa presente!”
Debora Magalhães e Rodrigo dos Santos foram os oradores da turma e exaltaram seus colegas em discursos que consagraram o mantra de que todo saber é coletivo.
Debora falou que os espaços para produção textual andam muito limitados e que o objetivo das Quebradas é romper com essa tendência em um cenário em que a oportunidade se compra e ainda é elitizada”.
Rodrigo homenageou Heloisa Teixeira e relembrou uma fala no seu discurso de posse na ABL, em que ela disse que trazia, junto da cadeira 30, sonhos e propostas – dela e de muitos outros – e o seu maior projeto: a Universidade das Quebradas.
“Sabemos o quanto essa é uma conquista histórica, mesmo ainda havendo muito o que avançar. Assim, penso que, uma vez quebradeiros, temos a responsabilidade de preservar este sonho que se materializou para que todos tenham a mesma oportunidade - sem esquecer dos que vieram antes”.
O curso
Os encontros aconteceram semanalmente às terças-feiras, no formato presencial, das 13h às 15h, ao longo de sete meses. Os alunos também tiveram a oportunidade de participar de palestras oferecidas pela ABL, que aconteciam na sequência das aulas, das 16h às 17h.
Nesta edição, os debates e palestras se debruçaram na obra de Ariano Suassuna e trataram de temas como literatura, identidade e tradição, além da riqueza cultural do Nordeste. Os temas serviram como ponto de partida para a produção de textos, sob a orientação de especialistas.
15/10/2025