A atriz Fernanda Montenegro subiu ao palco, abraçou a ministra Marina Silva e falou de forma incisiva “vá para o impossível. Nós vamos chegar lá”. Marina havia alertado que não devemos falar mais em mudança climática e sim emergência climática, mas mostrou otimismo ao dizer que o plano é tornar a COP30 um marco referencial dos próximos dez anos. O líder indígena Ailton Krenak tinha exibido todo o seu ceticismo. Ele acha que o sistema econômico vai moer o planeta até o último grão de areia antes que os países ricos queiram pagar a conta do desastre ambiental. A admirável Fernanda, que fará 96 anos na próxima quinta, consegue manter a inquietação e esperança de sempre.
– Tudo vai dar certo. Faz a gente sair da cadeira e andar e chegar aonde a gente quer chegar. É complicado a gente ter essa fé, mas você tem. Estamos com você, meu amor. Vai para o impossível, nós vamos chegar lá — disse Fernanda.
Pouca gente ouviu porque o evento na Academia Brasileira de Letras havia acabado, as pessoas se dispersavam ou estavam naqueles abraços finais. Durante uma hora e meia a COP30, que começa daqui a 32 dias, e o meio ambiente estiveram em debate. A conclusão é que está muito difícil ter sucesso em Belém e mais ainda conter o aquecimento global na meta estabelecida pelo Acordo de Paris. Marina falou que as metas nacionais (NDCs) apresentadas pelos países estão muito abaixo do que deveriam e que até a União Europeia está recuando. Normalmente a União Europeia propunha o esforço maior. E Marina deu o número assustador.
— As guerras que tem nos horrorizado, com justa razão, ceifam 260 mil vidas. Eventos que todos acompanhamos aqui como as enchentes do Rio Grande do Sul, os incêndios, as ondas de calor estão ceifando 500 mil vidas e isso está subnotificado. Com uma diferença, no caso das guerras a gente fica indignado, no caso das tragédias climáticas a responsabilidade é difusa, não se sabe a quem culpar. Se tivéssemos implementado 100% do Acordo de Paris, a elevação da temperatura média da terra seria de 2,6 graus Celsius. Ou seja, estamos numa enrascada porque os cientistas disseram que não deveríamos ultrapassar o 1,5 grau Celsius.
Com todo esse quadro, Marina não joga a toalha. Diz que é preciso salvar o multilateralismo climático e esse pode ser um dos legados da COP30. Lembrou que ninguém dava nada pela COP28 realizada no coração do petróleo, mas foi lá, em Dubai, que se escreveu no comunicado que é preciso fazer a transição para o fim do uso dos combustíveis fósseis.
O acadêmico Ailton Krenak disse que conhecia Marina do tempo em que ela “abraçava as árvores”.
— Ouvindo esse relatório da ministra eu penso, que árvore grande ela está tendo que abraçar. Porque é a Terra, o planeta inteiro. O problema é que o Painel do Clima é capaz de dizer quanto um gato emite, mas não diz quanto de emissão existe num míssil lançado para o espaço. Que cinismo é esse? Países ricos estão criando fundos. Vamos acabar caindo tão fundo que não voltamos para lugar algum.
A conversa longa e rica ficou em dois tons. Krenak nos levava para o pessimismo lúcido, para a verdade que incomoda. De fato o rumo é desesperador, 33 anos depois da Rio 92 em que o mundo assinou convenções pelo clima e pela biodiversidade.
Marina nos levava para o sonho concreto. Ela contou o que era abraçar as árvores. Era amoroso, mas às vezes muito doloroso. “Tem formiga de tucandeira. Já levou picada dessa formiga? ”. Mas era o momento em que os seringueiros colocavam suas vidas para proteger a floresta. Era o “empate”, ensinado por Chico Mendes. Para cortar as árvores só se matasse também as pessoas. Contou de uma vez em que os soldados chegaram e Chico Mendes pediu “cantem o hino nacional”. Durante o hino os soldados pararam. Depois voltaram. E Chico propôs: “vamos rezar o Pai Nosso, dá a mão para o companheiro soldado”. Era o tempo de uma luta física.
Krenak disse que não estava debatendo com Marina. A ministra respondeu que os povos indígenas é que nos ensinam como resistir. Porque precisa de muita luta para continuar sendo um Krenak 500 anos depois.
Em 1911 o poeta, deputado e acadêmico Augusto de Lima (1859-1934) iniciou um esforço legislativo para o país ter um Código Florestal. Diziam que era coisa de poeta. Mas o Código acabou saindo 20 anos depois e o relatório que ele fez, lido hoje, é completamente atual. A luta ambiental sempre foi assim. É de quem acredita no impossível, como Fernanda Montenegro.
(Com Luciana Casemiro)
09/10/2025