Popularizar uma das instituições mais tradicionais do Brasil. É com essa missão que a mineira Ana Maria Gonçalves, de 55 anos, assume sua vaga na Academia Brasileira de Letras, que, pela primeira vez em 128 anos de história, passa a ter uma mulher negra entre seus imortais. Por esse e outros feitos históricos, tornou-se vencedora do Prêmio CLAUDIA 2025 na categoria Cultura.
“A literatura tem que estar em contato com quem está lendo”, acredita. O primeiro passo nesse sentido foi dado por Conceição Evaristo, que se candidatou em 2018, mas acabou perdendo para o cineasta Cacá Diegues. “Foi um movimento importante, porque ela mostrou que a gente devia disputar esse espaço também”, avalia Ana Maria.
Um defeito de cor
Essa lógica também orientou a escrita de seu livro mais conhecido, Um defeito de cor, lançado em 2006, que já vendeu 180 mil exemplares, recebeu prêmios e foi tema do samba-enredo da Portela no ano passado. “Escrevi o livro que queria ter encontrado para ler e que não existia”, afirma.
O romance de quase mil páginas conta a história de uma ex-escravizada africana em busca de um filho perdido e reflete sobre a trajetória dos negros no Brasil. Na época, Ana Maria havia publicado apenas um livro de forma independente, e a pauta identitária ainda não estava em voga.
Ainda assim, conseguiu convencer uma grande editora como a Record a abraçar a empreitada com um empurrãozinho de Millôr Fernandes, que abriu as portas da editora por estar encantado com o projeto.
“Eram tempos em que o mercado editorial era muito fechado. Não sei se teria conseguido publicar sem essa indicação. O que é uma pena, porque faz a gente pensar em quantos outros livros não poderiam ter tido a mesma trajetória de Um defeito de cor, se houvesse mais abertura no mercado.”
O outro lado da escritora
Ana Maria sempre foi uma leitora voraz. Quando criança, esgotou os livros da biblioteca da escola e passou a explorar as prateleiras da mãe, costureira, que fazia os afazeres de casa com uma vassoura em uma mão e um livro na outra.
“Escrevo para agradar minha mãe. Ela é a leitora em quem eu confio, porque ela não vai me deixar passar vergonha”, conta a escritora, que até hoje mostra seus textos para ela antes de publicar.
Publicitária de formação, Ana Maria deixou a casa, o casamento e a agência que tinha em São Paulo para se mudar para a Bahia, aos 29 anos, e se dedicar ao romance, publicado após cinco anos de pesquisas e reescritas em busca de sua ancestralidade africana e de sua identidade. Caminho que continuou a trilhar quando se mudou para os Estados Unidos para dar aulas de literatura. “Lá o racismo é tratado de forma mais aberta, enquanto no Brasil, por muito tempo, era tabu.”
A comunidade negra nos EUA
A consequência foi que rapidamente foi abraçada pela comunidade negra. “Fui acolhida por uma sociedade negra norte-americana de uma maneira que eu nunca tinha me sentido acolhida por nenhum movimento aqui no Brasil. Eu digo que a identidade negra, no Brasil, se revela para pessoas negras, principalmente as retintas, de uma maneira muito violenta, por meio do racismo.
Eu sou uma mulher de muita sorte por entender que, nos Estados Unidos, a solidificação da minha identidade negra aconteceu por meio do acolhimento. Então, acho que ainda há muito a lutar aqui para que isso também aconteça.”
Uma reflexão que também atravessa a experiência de ser mulher. E se a identidade feminina pudesse se formar a partir da força entre iguais, e não como resposta às violências machistas? Que a luta de Ana se estenda a todas as minorias do Brasil.
O Prêmio CLAUDIA 2025
O Prêmio CLAUDIA chegou a sua 25ª edição, celebrando mulheres que transformam o Brasil em diferentes áreas. A edição 2025 foi realizada em 9 de dezembro, às 20h, no Roxy Dinner Show, Rio de Janeiro, e destacou finalistas que se tornaram referência em cultura, educação, negócios, direitos da mulher, saúde, inovação, sustentabilidade, trabalho social, influência digital e impacto do ano.
O júri desta edição reuniu nomes influentes e plurais, como Zezé Motta, Maria da Penha, Luiza Helena Trajano, Ana Fontes e a jornalista Aline Midlej, além das representantes da Editora Abril: Karin Hueck (editora-chefe de CLAUDIA), Helena Galante (diretora de núcleo da Abril) e Andrea Abelleira (VP de Publishing da Editora Abril).
Matéria na íntegra: https://claudia.abril.com.br/cultura/ana-maria-goncalves-vence-premio-claudia-2025-cultura/
11/12/2025