Quando Carmen Miranda, no dia 27 de janeiro de 1930 —a dias de fazer 21 anos—, gravou a marchinha "Pra Você Gostar de Mim" ("Taí"), de Joubert de Carvalho, não havia nenhuma cantora como ela no Brasil. As poucas então no mercado, como Elisa Coelho, Zaira Cavalcanti e Aracy Côrtes, eram boas, mas tinham voz clássica, de opereta, típica da Europa. Por nunca ter tido uma aula de canto, Carmen cantou com naturalidade, quase como falava. Intuitivamente, foi a primeira a cantar "em brasileiro".
As lojas de eletrodomésticos instalavam gramofones na porta, com as cornetas para a rua. Quem passasse pela calçada não tinha como não escutar. É inevitável que, ao ouvir Carmen, as pessoas pensassem: "É assim que nós cantamos. É assim que nós somos". Pelos anos seguintes até 1940, Carmen enfatizou mais ainda o jeito coloquial e moleque de cantar, "de bossa" (não confundir com a bossa nova). Basta conferir em "Querido Adão", Fon-Fon", "Eu Dei...", "...E o Mundo Não se Acabou", "Paris", "Uva de Caminhão", "Recenseamento" e tantos outros sambas e marchinhas. Estão todos na internet.
Se os cantores eram românticos ou "de bossa", Carmen foi a pioneira dessa última categoria. Foi ela quem abriu o caminho para as irmãs Dircinha e Linda Baptista, Isaurinha Garcia, Emilinha Borba, Marlene, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Elis Regina, Gal Costa, Beth Carvalho, Rita Lee, Ivete Sangalo e, claro, Anitta.
Por causa de Carmen, recordista de vendas de discos da Victor e da Odeon, as pessoas compravam vitrolas. Para ouvi-la na Rádio Mayrink Veiga, de que ela era a maior estrela, compravam aparelhos de rádio. Foi Carmen quem levou os cassinos brasileiros, da Urca e do Copacabana Palace, a contratar cantoras nacionais –até então só queriam saber de argentinas e francesas de segunda. Foi Carmen quem levou o samba para fora do Brasil, com suas nove temporadas em Buenos Aires nos anos 1930 e, depois, para os EUA.
Aos 70 anos de sua morte nesta terça-feira (5), nunca pagamos o que lhe devemos.