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Houve tempo em que o namoro tinha um ritual – agora tem contrato

 

O mundo, ou a sociedade, é coisa estranha. Ou a humanidade é que é esquisita? Houve tempo – e isto é relato, não nostalgia – em que o namoro tinha um ritual.

Primeiro se trocavam olhares na classe ou no footing, ritual no qual os homens em pé no meio-fio flertavam com as garotas (quem diz garota hoje?) que iam e voltavam num determinado perímetro. Era o “tirar linha”, após o qual vinha a aproximação e a pergunta “pode ser ou está difícil?”.

Enfim o namoro. Pegar na mão só depois de um mês.

As coisas evoluíram, os homens puderam usar camisas coloridas, vermelhas, amarelas. Às mulheres foi concedida a minissaia.

A liberdade, todavia – que de algum modo é ainda regida pela religião, certos costumes, e determinação familiar –, acabou de entrar, vamos dizer, em ritmo Faria Lima.

Fala-se agora em namoros sob contrato jurídico, cujas regras não estão ainda bem definidas. Como as leis para o parlamento, passíveis de variadas interpretações.

Mas, no fundo, parece que será preciso ir ao cartório – aliás, para tudo há que ir ao cartório – submeter-se a certas normas, assinar, mulher e homem –, certamente reconhecer a firma.

Firma também dos sogros de ambas as partes (aqui linguagem jurídica), das testemunhas, talvez dos futuros padrinhos de casamento.

Os cartórios, para não cometerem deslizes perante a lei, terão os contratos regidos pela Inteligência Artificial para não ofender as bases jurídicas.

Antes de regulamentar, permitir oficialmente namoros, os textos passarão por revisão gramatical, destinada a admitir a inadmissibilidade (linguagem jurídica) de certos termos que possam causar processos que durem anos, como acontece na Justiça, podendo chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

E se este determinar que o namoro seja concedido, mas com cada namorado em seu domicílio por um tempo? Ou com tornozeleiras eletrônicas?

Ah, meu medo é que os namoros voltem aos recantos escuros, às praças, ao banco traseiro do carro. Se bem que hoje existem motéis. E se os motéis tiverem câmeras? Melhor cada um ir em um Uber. E se o Waze enlouquece e te deixa no bairro de uma facção?

Estadão, 15/06/2025