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Banco de assuntos

 

Há tempos, ao ver-me de posse de um centenário cilindro de cobre, resolvi preenchê-lo com uma pequena coleção de bengalas, daquelas antigas, ideal para ocupar um canto de parede. Ao passar por um antiquário em Copacabana, vi em oferta uma bonita bengala de cabo trabalhado, com toda a pinta de ter um passado —quem sabe protagonizado uma troca de bengaladas na porta da Colombo entre dois poetas por causa de um soneto, na Belle Époque carioca. Comprei-a e voltei para casa. Na porta do prédio, ao descer do táxi, pisei em falso e torci feio o pé. Por sorte, eu tinha a bengala e, com ela, pude chegar ao elevador.

Amigos souberam da história e, num excesso de solidariedade, começaram a me presentear com bengalas. Com isso, sou hoje possuidor de um banco de bengalas. Nunca mais precisei de uma, mas quem sabe o que o futuro nos reserva?

O mesmo aconteceu quando, em certa viagem pela Europa no inverno, tive de comprar uma boina para proteger a incipiente calva. De volta ao Rio, não precisei mais dela e destinei-a ao fundo de uma gaveta. Numa viagem seguinte, repetiu-se a emergência e voltei com mais uma boina para casa. E, como nunca me ocorreu botar uma boina na mala ao viajar, o fato é que elas se multiplicaram e agora disponho de um banco de boinas —com ou sem aba, lisas e xadrezes, uma delas um barrete frígio, todas inúteis no Rio. Decidi que, se voltar a viajar para países frios, vou levá-las todas, revezá-las e esquecer uma por uma em cada país.

Duas ou três intervenções cirúrgicas nos braços renderam-me também um banco de tipoias, fornecidas pelos hospitais por que passei. Nem todos têm em casa um banco de tipoias, mas não sou o único a acumular certos objetos sem querer. Um amigo meu tem um banco de elásticos, clipes e grampos, embora há anos já não use papel para escrever. Outro tem um banco de martelos.

Um banco útil para um colunista é o de assuntos que podem render uma crônica. Esta que você acabou de ler, por exemplo, saiu do meu banco de assuntos.

Folha de São Paulo, 15/06/2025