Ante repetidas perguntas do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria-Geral da República sobre seus esperneios contra a lisura das eleições que o varreram do governo em 2022, o réu Bolsonaro, entre engasgos e espasmos, exclamou: "Tivemos que entubar o resultado das eleições". O intrigante nessa resposta não é o "tivemos", quando ele admite que só a contragosto aceitou o veredicto das urnas. O surpreendente é sua ressurreição do verbo "entubar" em seu significado fora das quatro linhas.
Sim, porque, nos melhores dicionários, "entubar" tanto pode ser "dar forma ou feição de tubo" (a uma folha de papel, por exemplo) quanto "introduzir tubo em canal ou cavidade" (de um paciente, como fazem os médicos). A essas sóbrias e vernáculas acepções, o Houaiss, sempre atento a modernidades, acrescentou "entrar e surfar no tubo formado por uma onda" —um dos mais empolgantes movimentos dos surfistas no mar.
Mas Bolsonaro, com súbito domínio da língua, foi buscar um significado para "entubar" em voga exclusivamente no começo dos anos 1970: o de "entregar-se sexualmente a uma penetração anal". Certamente lembrou-se de uma manchete do hebdomadário carioca Pasquim, que ele, em jovem, devia ler em seu alojamento nas Agulhas Negras. Debochado e preconceituoso, como então de praxe, o Pasquim passou a referir-se a certas personalidades da cena brasileira como adeptos de "entubar uma brachola".
Como ninguém no Pasquim sabia italiano, foi como se referiram à deliciosa braciola —também segundo o Houaiss, "fatia de carne enrolada e recheada com cenoura, toucinho" etc. A palavra, de significado óbvio e homofóbico, circulou entre os leitores do jornal por algum tempo, até ser em boa hora abandonada e esquecida.
Incrível Bolsonaro tê-la resgatado e usado no sentido pasquinesco. E, apesar de sua péssima elocução, todos o ouvimos com clareza: "Tivemos que entubar o resultado das eleições". Espera-se que o tubo a que ele se referiu fosse o de uma folha de papel com os números do pleito.
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