Academia Brasileira de Letras

Um amigo meu, famoso jornalista, bebeu por 30 anos e, como dizia a piada, "nunca se viciou". No seu caso, era verdade —nunca se viciou mesmo. Mas havia uma razão para isso. Seu grau de tolerância ao álcool era tão baixo que três doses de uísque bastavam para logo deixá-lo zuzu e presenteá-lo com uma bela ressaca. Problema terrível, porque o uísque era obrigatório na etiqueta dos anos 60 —ao receber uma visita, a pergunta era se puro ou com gelo. Todos os casais tinham na sala um carrinho de bebidas, com destaque para o escocês entre os licores e conhaques, e era importante beber "bem".

Depois de décadas sofrendo os efeitos do destilado, meu amigo trocou-o pelo vinho. Mas sua resistência a este também não passava de três taças. Com o que se conformou, porque sabia que, se fosse além disso, ele, o temível homem da imprensa, ficava impraticável para fazer uma entrevista ou escrever com sentido. Até que, no fim da vida, decidiu limitar-se à pura e simples água. Tomou facilmente todas essas decisões e nunca teve qualquer sintoma de abstinência, como angústia, mal-estar ou tremedeira.

Por quê? Porque seu limite orgânico eram aqueles três copos ou três taças. Por mais que o uísque ou vinho fosse o lubrificante de sua geração, não era divertido acusar uma bebedeira tão cedo na noitada, ser levado inconsciente para casa e ainda acordar com dor de cabeça. Para pessoas com tal limite, será possível beber sob controle ou resolver parar de repente, porque nunca ficaram dependentes. Por sorte, 85% da humanidade são assim.

Já os 15% restantes, aqueles cujo organismo não acusa o efeito tóxico da bebida nem conhece ressaca —porque processa rapidamente o álcool que ingere—, não verão motivo para "saber quando parar".

Meu amigo não entendia de alcoolismo e atribuía essa capacidade de moderar à "força de vontade", típica de sua invejável cabeça. Mas não era nada disso. Sua cabeça era apenas um apêndice de seu organismo e, caso ele bebesse, ela só lhe serviria para doer.